Ferrovias, marco do desbravamento de territórios distantes

CAMPINAS – Inaugurado em 1872, o prédio serviu como estação ferroviária até 2001. Hoje, abriga um centro cultural: a Estação Cultura.

As ferrovias, no século XIX, foram o marco do desbravamento de territórios distantes em vários países. Foram elas as responsáveis pelo desenvolvimento econômico e social, pois tinham a capacidade de integrar os mais longínquos lugares com centros urbanos mais populosos e, principalmente, com os portos para a descarga da produção agrícola, possibilitando assim maior concentração de polos produtivos para escoar toda a riqueza gerada. A tecnologia das ferrovias veio com a descoberta da geração de energia por meio do calor, que transformou toda a sociedade, no período que conhecemos como Revolução Industrial. A partir daí, surgiram “Marias Fumaças” por todos os lugares, levando alimentos, cargas vivas, correspondências, pessoas e tudo o que era necessário, em “pouco tempo”, se comparado aos cavalos, muares e carroças.

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CAMPINAS – Maria Fumaça da linha turística que liga Campinas a Jaguariúna

Porém, para fazer com que os trilhos alcançassem os quatros cantos de um país, também eram exigidos estudos para transpor os obstáculos naturais da topografia dos territórios. Muitas ferrovias pareciam impossíveis de ser construídas, dadas as circunstâncias adversas do terreno. Um exemplo, no Brasil, foi a construção da São Paulo Railway, que conseguiu transpor a Serra do Mar e assim escoar a rica produção cafeeira do interior paulista, uma demanda urgente que colocou o país na rota comercial internacional. As ferrovias são um feito fantástico da engenharia e da capacidade humana de ultrapassar obstáculos.

Ao mesmo tempo, as ferrovias foram marcos iniciais de muitas cidades, pois suas estações atraíam comerciantes que se estabeleciam próximos a elas, fomentando um mercado paralelo de consumo.

“Pousos” também eram comuns, assim como casas que ofertavam comidas feitas localmente, além dos famosos armazéns de secos e molhados. Muitos quitutes, embutidos e iguarias locais foram disseminados pelas idas e vindas de passageiros que paravam nessas estações e apreciavam as novidades.

Por isso, a história das ferrovias é de extrema importância para entendermos toda a dinâmica do desenvolvimento dessas cidades e reconstruir sua memória. Algumas de suas estações estão preservadas fisicamente e outras estão guardadas em fotos, livros e documentos. De todo modo, seja estrutural, visualmente ou pela escrita, esses marcos históricos são o ponto de partida para nos levar pelos trilhos invisíveis da formação da cultura brasileira.

Estrada de Ferro São Paulo Railway

O armador, banqueiro, industrial e comerciante Irineu Evangelista de Sousa, o Visconde de Mauá, com sua personalidade visionária, conseguiu a concessão para a construção de uma ferrovia que interligasse o planalto paulista ao porto de Santos, a fim de agilizar e modernizar o transporte de mercadorias, principalmente o café, do interior ao litoral. Uma iniciativa mais do que necessária, se voltarmos no tempo e imaginarmos a longa fila de carroças e mulas descendo a Serra do Mar, pelos seus tortuosos caminhos, repletos de mosquitos, riachos, lama, animais selvagens e peçonhentos, pedras e toda sorte de empecilhos. Não era apenas ir ao porto, e sim participar de uma verdadeira saga, digna de atos heroicos, exigindo coragem absoluta.

Concessão dada, agora só faltava uma equipe que conseguisse construir uma via férrea que transpusesse todos os obstáculos. Então, em 1867, foi fundada a Estrada de Ferro São Paulo Railway Company – SPR, com capital inglês, sob a batuta dos engenheiros James Brunlees e Daniel Makison Fox. Com quatro declives, sistemas de tração de composições e contrapesos, além de pontes sobre rios, finalmente a ferrovia ficou pronta. Os seus 159 quilômetros de extensão ligavam Santos, Cubatão, Santo André, Rio Grande da Serra, Ribeirão Pires, Mauá, São Caetano do Sul, São Paulo e Jundiaí. Depois de nacionalizada, em 1947, passou a se chamar Estrada de Ferro Santos-Jundiaí e, dez anos mais tarde, Rede Ferroviária Federal S.A. – RFFSA. Hoje, novamente privatizada, atua somente no transporte de carga, sem passageiros.

Companhia Paulista de Estradas de Ferro

Como o fim da linha da São Paulo Railway ficava em Jundiaí, fazendeiros e investidores resolveram construir outra ferrovia que ligasse Jundiaí até Rio Claro. Fundada em 1868, e inaugurada em 1872, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro venceu seu primeiro trecho: Jundiaí – Campinas. A “Paulista” foi inovadora em muitos aspectos, entre eles a primeira a ser eletrificada, além de criar vários hortos florestais com o intuito de cultivar árvores, como o eucalipto, para a fabricação de dormentes. Seus serviços para os passageiros, como o restaurante e as cabines, eram de primeira qualidade. Com o passar dos anos, seus trilhos passaram a percorrer quase todo o Estado de São Paulo. As oficinas foram montadas em Jundiaí, no complexo ferroviário. Depois de várias crises do setor cafeeiro, entre outras, em 1971, foi integrada à Ferrovia Paulista S.A. – FEPASA.

Estrada de Ferro Bragantina

Com a produção de café se expandindo para o interior, cada vez mais aumentava a distância entre as fazendas e a ferrovia São Paulo Railway Co. Então, em 1878, os cafeicultores, reunidos, começaram a construção de uma linha para unir a última estação da SPR, em Campo Limpo, até a cidade de Vargem. Em 1884, os trilhos foram aquecidos pelas locomotivas em pleno funcionamento. Para manter o poder do transporte ferroviário, os ingleses compraram a Ferrovia Bragantina, antes da oferta da Estrada de Ferro Mogiana feita para a compra dessa linha. Em seguida, acrescentou-se um tronco até Atibaia, no bairro Caetetuba, que ia até Piracaia. Com a quebra da Bolsa de 1929 e a falência da maioria dos cafeicultores da região, as atividades da Bragantina foram encerradas.

Estrada de Ferro Itatibense

A Companhia de Ferro Itatibense foi inaugurada em 1889. Com apenas 21 quilômetros de extensão, saindo de Louveira, possuía as estações de Luiz Gonzaga, Abadia e Tapera Grande. Esse diminuto trecho desenvolveu sobremaneira as duas cidades: Louveira e Itatiba. Com um coro bradando “Muito peso, pouca força; muito peso, pouca força”, os passageiros seguiam cheios de fuligem, porém felizes!

Companhia Carril Funilense

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PAULÍNIA – Trem de carga dirigindo-se ao pátio da VLI Logística.

A Companhia Carril Funilense foi inaugurada em 1899, para o escoamento de produtos agrícolas e para o assentamento de novos colonos rurais, cujas fazendas se situavam entre Campinas e os então distritos de Paulínia e Cosmópolis, sendo ampliada anos depois até Conchal. Sua linha integrava ainda os loteamentos que mais tarde deram origem às cidades de Artur Nogueira e Engenheiro Coelho. A Funilense foi estratégica ao ligar o norte da região de Campinas com o porto de Santos e também no desenvolvimento, não só agrícola, mas tecnológico e social. Com a produtividade aumentando a passos largos nas fazendas produtoras de café e cana de açúcar, o transporte deveria ser mais ágil e menos dispendioso. Mulas, carroças e estradinhas de terra nãos eram mais eficientes, principalmente diante do aumento substancial da demanda. A exportação do café crescia cada vez mais e exigia mais mão de obra. Ora, com o fim da escravidão, o governo do Brasil implantou programas de imigrações maciças, dando incentivos aos que aqui chegavam. O Estado de São Paulo, juntamente com os fazendeiros, seguiu esses programas porque eram a única saída para atrair mão de obra e conseguir abastecer o mercado internacional. Com mais pessoas imigrando, mais terras para a implantação dos denominados Núcleos Coloniais e, consequentemente, mais demanda interna, surgiu a necessidade de ferrovias na região.

Em 1924, sem conseguir sanar as dívidas com o investimento, a Carril Funilense foi incorporada pela Estrada de Ferro Sorocabana, administrada pelo Estado de São Paulo, sob o nome de “Ramal Pádua Salles”. A nova administração revitalizou os trilhos, construiu novas estações, e expandiu a malha para os núcleos coloniais Conde de Parnaíba e Visconde de Indaiatuba (hoje, Conchal), e Martinho Prado (hoje, Mogi Guaçu). Na década de 1960, com a implantação das rodovias, a Funilense foi desativada. Hoje, boa parte do traçado da antiga ferrovia é ocupada pela Rodovia Prof. Zeferino Vaz (SP-332).

Companhia Mogiana de Estradas de Ferro

Inaugurada em 1875, a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro foi uma realização da família Silva Prado, com Antônio de Queirós, José Estanislau do Amaral e o Barão do Tietê, José Manuel da Silva. O primeiro trecho, de 34 quilômetros, se estendia de Campinas até Jaguariúna, depois Mogi Mirim, com mais 7 quilômetros, Amparo, com mais 30 quilômetros, até chegar a Casa Branca, totalizando 172 quilômetros. Sua ampliação não parou por aí e seus trilhos alcançaram o Triângulo Mineiro e Poços de Caldas. Em suma, a Cia. Mogiana conseguiu a façanha de integrar quase dois mil quilômetros. Mesmo sendo uma potência – foi a primeira ferrovia a transpor o Rio Grande – seu declínio veio com a quebra da Bolsa de 1929 e, como todas as ferrovias, passou para o controle do governo do Estado de São Paulo, em 1952, e, 19 anos depois, foi incorporada pela FEPASA.

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